5 razões pelas quais precisamos de um sistema energético 100% renovável
Sara Pizzinato, Greenpeace
Porque o futuro já começou — e não pode ser feito de apagões, crises ou retrocessos
Depois do que aconteceu há dias — várias horas sem eletricidade, sem ligações e sem sabermos o que se estava a passar — é justo e necessário dizer: não queremos viver mais “momentos históricos” como este. Pelo menos, não deste tipo. Está na hora de agir. E é exatamente isso que estamos a fazer.
Por isso, hoje não te vamos explicar porque é que um sistema 100% renovável é possível e economicamente viável — isso já o fizemos em 2007. Em vez disso, queremos mostrar-te porque é que esta mudança é urgente e inadiável, se queremos evitar novos apagões e um futuro repleto de catástrofes climáticas.
Aqui estão cinco razões incontestáveis:
1. Segurança e independência energética
O grande apagão mostrou-nos, mais uma vez, que a nossa segurança está diretamente ligada à resiliência das infraestruturas energéticas e de transportes — e à capacidade de evitarmos os piores efeitos da crise climática (inundações, incêndios, ondas de calor…). Muito mais do que com a compra de armamento.
Cada euro investido deve contar. E é tempo de lembrar que a melhor política de defesa é um sistema energético acessível, distribuído, justo e renovável, que garanta fornecimento suficiente para uma vida digna e contribua para travar a maior ameaça do nosso tempo: a crise climática.
A invasão da Ucrânia veio expor a dependência da Europa do gás e do urânio russos, o que originou uma grave crise energética e inflacionária. Um sistema 100% renovável reduz essa dependência de combustíveis fósseis e matérias-primas importadas, além de reforçar a segurança dos países.
“Um sistema 100% renovável reduz a dependência de combustíveis fósseis e de urânio importados.”
Uma rede com uma importante geração renovável pode ser tão fiável como qualquer outra, porque a fiabilidade é uma característica do sistema que depende mais de como é gerido do que do tipo de fontes energéticas presentes. Um operador de rede responsável e eficaz consegue gerir um sistema com elevados níveis de renováveis de forma fiável, utilizando ferramentas bem conhecidas e amplamente disponíveis.
«A fiabilidade é uma característica do sistema que depende mais de como é gerido do que do tipo de fontes energéticas presentes.»
2. ESTABILIDADE E FIABILIDADE
Um dos argumentos mais usados contra as renováveis é a sua variabilidade, pois a produção de energia a partir de fontes como o sol ou o vento não é constante, dependendo de condições meteorológicas em constante mudança.
Mas o primeiro ponto a destacar é que nem todas as renováveis são variáveis. Existem também renováveis controláveis (na gíria, “despacháveis”), como a energia hídrica, a solar termoelétrica com armazenamento, a geotérmica ou a biomassa sustentável, que complementam as fontes variáveis.
“O primeiro ponto é que nem todas as renováveis são variáveis (…) e mesmo para as variáveis, há muito que existem soluções.”
E mesmo para as renováveis variáveis, há já muito tempo que existem soluções para uma integração eficaz. Tecnologias como o armazenamento de energia (baterias, sistemas de bombagem de água, etc.), a gestão da procura (centralizada ou distribuída) e a gestão inteligente da rede podem mitigar a variabilidade de algumas fontes renováveis, como a solar e a eólica, garantindo um fornecimento de energia fiável.
3. PREÇO
A Greenpeace e outras instituições, como a Universidade LUT de Berlim, demonstraram há já vários anos que um sistema 100% renovável pode ser mais barato do que um que inclua combustíveis fósseis e energia nuclear, tal como ocorre atualmente. Isso deve-se à diminuição dos custos das tecnologias renováveis e à eliminação dos custos associados à extração e importação de combustíveis, entre outros fatores.
“Demonstraram há já vários anos que um sistema 100% renovável pode ser mais barato do que um que inclua combustíveis fósseis e energia nuclear.”
Mas nem tudo é dinheiro: a substituição de energias sujas por renováveis e a redução do desperdício energético garantem uma melhoria para a saúde e segurança das pessoas, ao evitar os piores impactos das alterações climáticas e da poluição do ar, do solo e da água.
4. RIQUEZA E JUSTIÇA SOCIAL
A transição para um sistema 100% renovável, flexível e justo, capaz de satisfazer os serviços necessários para garantir uma vida digna para todas as pessoas, impulsiona a inovação tecnológica, a criação de novas indústrias e a geração de empregos no setor das energias renováveis. Mas também abre portas a uma maior democratização da energia, permitindo que as pessoas participem de forma mais direta nas decisões sobre para quê, para quem e como geramos a nossa energia.
A sua implementação é fundamental para todo o mundo, mas especialmente para aquelas pessoas que ainda não têm acesso à eletricidade, ajudando a cobrir necessidades básicas (como saúde, educação, água potável…).
Em 2023, as renováveis por si só deram emprego a 16 milhões de pessoas em todo o mundo. Se somarmos os empregos relacionados com baterias, veículos elétricos e bombas de calor, este número sobe para 36 milhões — ultrapassando o setor fóssil (com 32 milhões).
“Renováveis, baterias, veículos elétricos e bombas de calor já geram mais emprego do que o setor dos combustíveis fósseis.”
Contudo, a distribuição destes postos de trabalho não é homogénea: a China lidera com quase metade dos empregos, dominando tanto o desenvolvimento das renováveis como a produção de equipamentos. Outros países, como os Estados Unidos, Índia, Brasil e membros da UE, são grandes instaladores e tentam construir ou reconstruir cadeias de fornecimento nacionais para apoiar uma maior criação de emprego a nível interno.
Promover o emprego local é apenas uma das estratégias para garantir uma distribuição justa dos benefícios da expansão das renováveis, um pilar essencial para uma transição justa e respeitadora da biodiversidade. Isso deve ser acompanhado por uma maior participação da cidadania no planeamento e implementação das renováveis, bem como pela proibição da instalação de renováveis no solo em zonas protegidas ou de elevada sensibilidade ambiental.
5. TRAVAR AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
A transição para um sistema energético 100% renovável, flexível, justo e suficiente para garantir uma vida digna para todas as pessoas implica uma redução drástica das emissões de gases com efeito de estufa, sendo algo crucial para combater as alterações climáticas.
A atual situação de emergência climática que atravessa o mundo, com temperaturas anormalmente elevadas e incêndios cada vez mais intensos, evidencia a necessidade de agir com urgência e ambição. A vida e a saúde de milhões de pessoas em todo o mundo estão em risco.
O abandono rápido dos combustíveis fósseis em favor das energias renováveis, e a redução do consumo até níveis que respeitem os limites planetários, são o caminho mais promissor — a par da proteção e restauração dos ecossistemas e da criação de sistemas alimentares compatíveis com o clima.
“A vida e a saúde de milhões de pessoas em todo o mundo estão em risco”