Entrada de blog por Catarina Canelas - Agosto 29, 2025


Os incêndios também se apagam… à dentada

Com as tuas, com as minhas e, sobretudo, com as de milhares de animais, principalmente pequenos ruminantes, que pastam livremente no campo. Explico.

Na pecuária industrial e nas suas mega propriedades, os animais estão encerrados e amontoados durante toda a vida. Já não saem para o campo, como acontecia antigamente. A isto chama-se também pecuária sem terra.

Para alimentar estes animais, cultivam-se leguminosas, cereais e forragens, maioritariamente através de um modelo de agricultura intensiva que está cada vez mais ao serviço da pecuária industrial.

E não acontece apenas em Portugal. A esmagadora maioria destes alimentos — principalmente a soja, quase sempre transgénica – vem de países terceiros, onde se destrói a natureza e a vida das comunidades locais.

Onde estão os rebanhos em Portugal?

Portugal tem vindo a mudar o seu modelo de pecuária, apostando cada vez mais pela industrial e abandonando progressivamente a pecuária tradicional e extensiva, aquela em que os animais pastam livremente no campo.

Esses animais funcionavam como autênticos corta-fogos de quatro patas, reduzindo o combustível dos incêndios e ajudando a que, quando aconteciam, fossem menos virulentos.

Os números falam por si:

  • Entre 1961 e 2023, o número de ovelhas em Portugal caiu 56% e o de cabras 45%.
  • No mesmo período, o número de porcos aumentou 43% — e a imensa maioria está em explorações intensivas.
  • Portugal é o segundo país da UE – só atrás da Espanha – com o maior crescimento relativo de produção de carne, 400% neste mesmo período.

Por trás deste abandono da pecuária extensiva – que tem inúmeros benefícios ecológicos – está também uma parte da sangria do mundo rural, a hemorragia do Portugal do interior. Isso significa menos gente interessada em cuidar do campo… e menos olhos, como os dos pastores e pastoras, para o vigiar.

Pecuária extensiva e incêndios florestais

A pecuária extensiva ajuda a reduzir a carga de combustível, ou seja, o alimento do fogo. Mas também é preciso reduzir o número de incêndios. Para isso, é essencial a prevenção social do uso do fogo.

As queimadas com “motivação pecuária” infelizmente, e mais numa emergência climática como na que vivemos, podem sair do controlo e transformar-se em incêndios.

Queimar sem autorização é crime. O problema social tem de ser resolvido, mas não à custa de penalizar e criminalizar um elemento natural do mundo rural como é o fogo. Quando bem feitas, estas práticas de gestão são eficazes. O que é necessário é ir ao fundo da questão

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Pecuária industrial e alterações climáticas

Por último, e não menos importante: o modelo de produção massiva de carne, leite e ovos da pecuária industrial contribui de forma inequívoca para a crise climática – a raiz da tragédia que estamos a viver com os incêndios florestais deste ano, e que já se viveram no passado com, por exemplo, o trágico incêndio de Pedrógão Grande, que alcançam dimensões nunca vistas.

No fim, parece que o inferno existe – e fomos nós, humanos, que o criámos.

Um relatório recente da Greenpeace para Espanha mostra a necessidade e a urgência de um novo modelo alimentar. Se substituirmos a pecuária industrial pela extensiva, até 2050 seria possível:

  • Reduzir até 80% as emissões de gases com efeito de estufa do setor.
  • Duplicar os atuais postos de trabalho.

Tudo são vantagens. Só falta o de sempre: vontade política.

Apaga os incêndios com o que comes

Consumir produtos da pecuária industrial é alimentar o fogo que hoje devora os nossos campos.

Apostar numa alimentação baseada em alimentos de origem vegetal, ecológicos, locais e da época, e, nos poucos casos em que consumamos proteína animal, que esta venha da pecuária extensiva de base agroecológica, ajuda a prevenir incêndios e a reduzir drasticamente as emissões do setor pecuário.

Luís Ferreirim, Responsável pela Campanha de Agricultura e Pecuária na Greenpeace

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